domingo, 25 maio 2025
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O DIVÓRCIO ENTRE A IGREJA E O ESTADO

A liberdade religiosa no Brasil tem suas raízes legais firmemente plantadas no Decreto n° 119-A, de 7 de janeiro de 1890, assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca; foi um marco importante na história do país, especialmente considerando o contexto social da época.

O Decreto n° 119-A foi promulgado pouco após a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889. A proclamação marcou o fim da monarquia no Brasil e a criação de um governo republicano. Nesse novo regime, havia um forte desejo de romper com as tradições monárquicas, incluindo a estreita relação entre o Estado e a Igreja Católica. Durante o Império, a Igreja Católica era a religião oficial do Brasil, e outras religiões enfrentavam diversas restrições. Havia liberdade de crença no Brasil, mas não havia liberdade de culto.

PARA ENTENDER A HISTÓRIA…

A Constituição de 1824 já traz no início que é redigida “em nome da Santíssima Trindade.” Na Carta, a religião católica é mencionada quatro vezes. O artigo 5° do primeiro título, que define a organização social do império, crava: “A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso definidas, sem forma alguma exterior do templo”.  O texto constitucional ainda previa como deveria ser o juramento de um imperador: “Juro manter a religião Católica Apostólica Romana, a integridade, e a indivisibilidade do império…” 

O historiador Santirocchi contextualiza que “após independência, os direitos que eram concessões papais, foram estabelecidos pela constituição”. E o documento ainda delegava ao imperador o direito de “conceder ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras constituições eclesiásticas”. 

Mas o papa não se deu por vencido. Em 1827 (a distância e a comunicação da época faziam com que as ações e reações levassem mais tempo), o papa Leão 12 mandou publicar a bula Praeclara Portugalia, concedendo esses direitos ao rei.

No entanto, pela constituição todo e qualquer documento papal tinha de ser aprovado e receber o beneplácito do imperador. E esse documento papal não recebeu o beneplácito; mas, para a Igreja, era ela quem havia conferido esse direito ao imperador e, por sua vez, para o imperador, era um direito constitucional.

Na contenda, “o Estado queria controlar o aparato religioso, como instrumento legitimador do sistema”, e seguir tratando o clero como funcionário público”. Tudo isso diminuindo cada vez mais os repasses financeiros para a Igreja; esta que até então era totalmente financiada pelo Estado, tanto no sentido de terrenos doados, quanto para a construção dos templos. Sendo inclusive, a única religião que poderia ostentar a cruz e o sino nas naves de suas igrejas.

O DIVÓRCIO OFICIAL ENTRE A IGREJA E O ESTADO

Foto:

Oficialmente, o acordo que resultaria na separação entre a religião católica e o poder civil no Brasil é o decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Ali, o então chefe do governo provisório da república recém-proclamada, Manoel Deodoro da Fonseca, proibiu “a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa”, consagrou a “plena liberdade de cultos” e extinguiu o tal regime do padroado; que era na prática o direito do rei de interferir na igreja.

Era um momento delicado, aquele. Ao mesmo tempo que havia um contexto de expansão marítima, o que resultaria em um imperialismo para o Estado e um potencial aumento de “clientela” para a igreja, a Europa vivia um cenário em que diversas monarquias desafiavam a hegemonia da Igreja Católica, inclusive patrocinando a fundação de igrejas nacionais.

Historiadores entendem, portanto, que isso acabou fazendo  com que a cúpula católica visse como um negócio conceder poderes eclesiásticos para as coroas abertas a isso – no caso Espanha e Portugal. Além de manter esses povos dentro do catolicismo, ainda havia a possibilidade de chegar a novos fiéis.

Na prática, a coroa mandava e desmandava. Criava dioceses e paróquias, nomeava bispos. O papa apenas precisava ratificar. E em troca o governo precisava construir e manter as igrejas, bancar o côngrua (salário dos religiosos), construir e financiar o funcionamento de seminários e até mesmo investir em trabalhos missionários.

Mas o governo federal precisou ceder um pouco, fazer algumas concessões, tais como: ficou acertado, na lei, que o Estado precisava seguir pagando a côngrua (espécie de salário dos religiosos) e, por um ano, subvencionaria os seminários.

Lembrando que a Igreja Católica também contribuía justificando e legitimando o movimento expansionista, é claro. O jurista Ruliam Emmerick comentou que o “projeto de colonização das novas terras pela Estado Português teria grandes dificuldades de ser implementado sem o apoio da Igreja Católica enquanto instituição legitimadora do poder , e responsável pela coesão social e pela unidade nacional”. O jurista nos lembra ainda que “em boa parte da história da sociedade brasileira, o direito do Estado confundia-se com o direito divino, isto é, o direito ditado pela Igreja Católica”.

“Desta forma, as instituições Igreja e Estado confundiam-se enquanto instituições legitimadoras do poder e normatizadoras dos corpos e das mentes. Ambas tinham pretensões de regular os princípios organizadores da incipiente sociedade brasileira e conquistar a consciência dos sujeitos, bem como deter o monopólio do capital simbólico no imaginário social”, pontua o jurista, em seu artigo.

Com a independência do Brasil, em 1822, houve uma jogada que pode ser lida até mesmo como um movimento de Dom Pedro I, o primeiro imperador, para deixar claro que quem dava as cartas era ele, e não a igreja.

Porque o regime que era fundamentado por documentos papais passou a constar da Constituição. O texto, publicado em 25 de março de 1824, já traz no início que é redigido “em nome da Santíssima Trindade”.

UM SANTO COM SALÁRIO PAGO PELO ESTADO

° Em suas pesquisas, para seu livro SANTO ANTÔNIO, o historiador Santirocchi desvenda a história  do intelectual português que se chamava Fernando, quase morreu na África, pregou por toda a Itália, ganhou fama de casamenteiro e se tornou o santo mais querido do Brasil (|Editora Planeta, 2021), quando ele se depara com uma história bastante inusitada envolvendo o governo brasileiro e o santo português, a saber:

Desde os tempos coloniais, Santo Antônio vinha sendo nomeado militar – com as mais diversas patentes – em muitas localidades do território brasileiro. Era um cargo simbólico, obviamente, mas que previa a remuneração equivalente ao salário militar compatível com o cargo – dinheiro este que era pago a algum convento ou paróquia.

Durante o período em que a corte portuguesa transferiu-se de Lisboa para o Rio de Janeiro, o então príncipe regente João 6°, publicou um decreto fazendo do santo sargento-mor de todo o exército luso-brasileiro.

No documento, o monarca confessou “particular devoção” ao santo e frisou que fazia isto como gratidão pela intercessão do mesmo “em prol da monarquia portuguesa, durante a hostilização” por Napoleão Bonaparte.

Os procuradores do Santo eram os frades franciscanos do convento Santo Antônio do Rio de Janeiro – ou seja, era essa a instituição que ficava com os salários do “militar”. O santo acabaria sendo promovido, três anos mais tarde, a tenente-coronel de infantaria.

A trajetória militar de Santo Antônio no Brasil, chegaria ao fim com a proclamação da República.

Ao fazer um pente-fino nas contas estatais, o delegado fiscal do Tesouro Nacional, Antônio de Pádua Mamede, impugnou a inclusão do nome de Santo Antônio nas folhas de pagamento.

O argumento era profundamente republicano. “Não é lícito que a nação continue a pagar aquele soldo, concorrendo assim, para conservar a crendice que teve o príncipe regente ao expedir aquelas patentes, sob o fundamento de haver o dito Santo Antônio influído para salvar a monarquia portuguesa da grande crise que então atravessava”, considerou o fiscal.

O processo levou cinco anos para ser aprovado. Em mais um capricho do deus das coincidências, o documento que extinguiu o salário do santo foi assinado por um ministro da fazenda de nome Francisco Antônio de Sales.

Mesmo sem salário, contudo, ainda não havia sido publicado nenhum ato que extinguisse as patentes do santo. Seguia, portanto, o incansável Antônio, um eterno integrante do Exército Brasileiro.

Até que em 1824, o presidente Artur Bernardes, cobrou de seu ministro da guerra, Fernando Setembrino de Carvalho, que resolvesse a questão.

A decisão do ministro da guerra foi: “O coronel Antônio de Pádua (Santo Antônio) vai quase três séculos de serviços prestados à nação. Nomeie-o general e ponha-o na reserva”, escreveu Bernardes. Solucionado o caso. Santo Antônio que desfrute do descanso merecido.

DEPOIS DA SEPARAÇÃO

No dia a dia da população, a separação entre Igreja e Estado resultou em algumas mudanças. De um lado, a liberdade de culto, inclusive em espaços públicos – em exceção para os espíritas e os de religiões africanas, “que ainda terão de lutar” para obterem seus espaços. O que só viria a acontecer com emenda à Constituição de 1946, de autoria do então Deputado Federal e escritor Jorge Amado; como deputado constituinte foi o autor da emenda que garantiu a liberdade religiosa também para os cultos africanos; e assim, as Igrejas Evangélicas que vêm cometendo um crasso erro há 100 anos, ou seja, não participar ativamente da vida pública brasileira; com homens cristãos comprometidos seriamente com o país, agindo com honestidade, caráter, objetivos claros e planejamentos  acabaram por pegar uma “carona” na emenda de Jorge Amado, para que pudessem se ver livres dos freios da igreja Católica. Eis aí a falta que faz políticos evangélicos, agindo com seriedade em defesa dos direitos e das necessidades do povo cristão.

 De outro, uma questão de ordem burocrática. Antes monopólio das paróquias, os registros de nascimento, casamento e óbitos passaram a ser incumbência do Estado. Inclusive com a instituição do casamento civil.

Mas, conforme recorda o historiador Victor Missiato, nem só de crucifixos em repartições públicas sobrevive a religiosidade dentro do aparato estatal. “É um processo gradual e relativo”, pondera ele. Um exemplo está na educação. Em 1931, em sua primeira passagem pela Presidência do país, Getúlio Vargas promoveu a volta do ensino religioso nas escolas – tornando “facultativo” o que havia sido abolido: na prática, reativando-o. Ensino religioso que, no dia a dia daquele contexto, beneficiava exclusivamente a Igreja Católica.

Consta também que a lei resultou de uma hábil negociação entre o jurista Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, e um dos protagonistas – do lado católico – “da questão religiosa”. O bispo Antônio de Macedo Costa.

Segundo o artigo 19, da Constituição Brasileira de 1988, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são proibidos de estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança. Este princípio garante a separação entre religião e Estado, assegurando que o governo não favoreça ou discrimine nenhuma religião.

No entanto, o Brasil, como país com uma forte herança cultural e religiosa, ainda mantém tradições que refletem sua história religiosa. Um exemplo notável é a comemoração do dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, celebrado em 12 de outubro. Este dia é um feriado nacional, reconhecido oficialmente pelo Estado.

A aparente contradição entre a laicidade do Estado e a comemoração de um feriado religioso pode ser vista sob diferentes perspectivas, vejamos:

CULTURAL E HISTÓRICA: A celebração do dia de Nossa Senhora Aparecida pode ser considerada uma tradição cultural profundamente enraizada na história e na identidade do povo brasileiro. A devoção à padroeira é um elemento significativo do patrimônio cultural brasileiro, independentemente das crenças individuais.

RECONHECIMENTO DE FERIADOS RELIGIOSOS: A instituição de feriados religiosos, como o dia de Nossa Senhora Aparecida, não necessariamente compromete a laicidade do Estado, desde que essa prática não implique em privilégios ou discriminação contra outras religiões. Feriados religiosos são comuns em muitos países laicos e podem ser vistos como um reconhecimento das tradições culturais da sociedade.

PLURALISMO E TOLERÂNCIA: A laicidade do Estado não implica em um afastamento ou negação das manifestações religiosas da população, mas sim na garantia de que o Estado não imponha uma religião específica. O reconhecimento de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil e a celebração de seu dia podem ser entendidos como parte do respeito à diversidade e ao pluralismo religioso; uma vez que o Distrito Federal comemora no dia 30 de novembro o “Dia do Evangélico”.

ASPECTO SOCIAL: A comemoração da padroeira brasileira tem um impacto social significativo, com milhares de pessoas participando de romarias e eventos religiosos, o que contribui para a coesão social e comunitária.

Em suma, a laicidade do Estado brasileiro permite a coexistência entre o respeito às tradições religiosas e a garantia da neutralidade religiosa do Estado. 

Ao longo de tantos (mais de 120 anos) as igrejas evangélicas brasileiras estiveram debaixo das mãos de cidadãos não evangélicos. Desconhecemos um homem, um homem sequer que levantasse a bandeira da liberdade de culto, das pregações nas praças públicas; nem um único homem. E hoje? A sociedade evangélica tem esse homem??? Ou os nossos deputados permanecem aplaudindo, batendo palmas para o governo (ou desgoverno), cabisbaixos, como se inferiores fossem.

Em suma, a laicidade do Estado brasileiro permite a coexistência entre o respeito às tradições religiosas e a garantia da neutralidade religiosa do Estado. 

As tantas comemorações religiosas Brasil afora, são uma manifestação cultural que não fere, por si só, os princípios da laicidade, desde que o Estado continue a garantir a liberdade religiosa e a igualdade de todas as crenças.

 

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